terça-feira, 28 de julho de 2015

Quem chora nossos mortos? 25 anos da Chacina de Acari




No dia 26 de julho de 2015 completou-se 25 anos do sequestro e desaparecimento de 11 jovens na Favela de Acari, zona norte do Rio de Janeiro.

No dia 27, ocorreu um evento em memória e solidariedade ao caso, no prédio da OAB, centro do Rio. Pela primeira vez tive a oportunidade de escutar a história de sofrimento, resistência e luta dessas mães. Não apenas de Acari, mas diversas outras mães que continuam a perder seus filhos e filhas recentemente, e de distintas formas, para esse sistema racista, classista e genocida.

É difícil conter as lágrimas ao escutá-las. Muito difícil mesmo. As histórias comovem, revoltam, mas, principalmente, faz borbulhar um ódio incontrolável e uma grande impotência.

Ao escutar aquelas mães, não conseguia parar de pensar que poderia ser a minha mãe ali, dando seu relato. Que eu poderia facilmente ser a vítima de qualquer uma daquelas histórias. Que poderia ser eu o rapaz de 29 anos, bonito, saudável e cheio de vida, trabalhador, voltando para casa com os amigos, parado pelo exército na frente de uma favela, desarmado e sem nenhuma condição de se defender, tendo o carro alvejado. Sobrevivente, mas sem as pernas, incapacitado de fazer seu corre, necessitando de ajuda da família, pelo menos até se adaptar a essa nova, injusta e brutal realidade, simplesmente por morar no lugar errado, ter a cor errada...

Qual a garantia que temos de voltar para nossas casas em segurança? Bem, se você é preto, pobre e periférico, absolutamente nenhuma.

Essas mães, nossas mães, amigos e entes queridos, nos ensinam a nos comportarmos em uma realidade que mais parece um contexto de guerra. Você tá bem vestido? Apresentável? Tome cuidado com quem anda, como anda e onde anda. Mas principalmente, faça tudo que puder para não parecer suspeito, esteja atento, porque você pode ser confundido com bandido. Se a polícia te parar ou qualquer outra pessoa fizer algum absurdo contigo, não reaja, obedeça e respeite: “sim senhor, não senhor”. E tente não deixar ele colocar a mão no seu bolso, eles podem implantar droga em você e te levar. Se ele te bater, tente fazer o máximo para que seja rápido, não provoque a ira do homem de farda e torça para não entrar no carro, porque se entrar, seu destino tá na mão de deus.

A gente escuta o tempo todo que quem morre é bandido. A gente sabe que não, mas a gente tenta “correr pelo certo”, como se isso fosse garantia de alguma coisa, só que não é. Você não tem garantia de nada.

Você é estudante? Trabalhador? Que se foda! Um verme cheio de cocaína na cara vai te dar um sacode, vai bater na sua cara, no seu joelho e no seu saco, enquanto diz para você entregar logo o que está em cima, porque “se tiver eu vou achar e ai será pior”. “É melhor colaborar, porque você sabe, eu podia te colocar para dentro. E tem uma “raspada” ali te esperando”. Ele vai falar contigo com “gíria de bandido”, ele está tentando se comunicar na sua língua. E se tudo não acabar muito mal e ele finalmente se convencer, depois de toda violência e constrangimento, de que você não está devendo nada, bem, você sabe, “abordagem é para sua segurança”.

E é claro, há de se ponderar que isso tudo é no melhor dos cenários. A coisa pode ficar MUITO mais feia. E o que é mais absurdo é que isso não é uma experiência tão específica e em primeira pessoa assim. Isso está ai, público e colocado pra quem quiser ver, basta estar um pouco aberto pra escutar. É a experiência de qualquer preto, preta, favelado e favelada.

Todo mundo sabe o absurdo que é o tal do auto de resistência. Um dos relatos ontem, contado por um pai, era que seu filho de dois anos foi atingido e morto por uma bala perdida e o caso foi tratado como “auto de resistência”. Como assim? Uma criança de dois anos é morta por um tiro e sua morte é enquadrada como auto de resistência? Até onde é possível chegar esse absurdo cínico e genocida?

A gente tá muito fodido. E cada dia que a gente vive é uma vitória parcial nessa porra de campo de batalha. A única coisa que eu sei é que enquanto eu tiver sangue correndo nas veias e ar entrando nos meus pulmões eu quero estar gritando com toda minha força que as nossas vidas importam.